O trabalho do NAPRA no fortalecimento da cadeia da castanha no baixo madeira em Rondônia

Nestes mais de 20 anos de NAPRA, um dos trabalhos mais constantes e com maiores resultados desenvolvido nas comunidades do Baixo Madeira foi o de fortalecimento da cadeia de valor da castanha-do-brasil.

Porque a castanha?

A Castanheira – que tem o nome científico de Bertholletia excelsa – é uma das maiores árvores da Amazônia, podendo apresentar mais de 4 m de diâmetro e 50m de altura, e viver mais de 500 anos. Por muitos é considerada a árvore símbolo da floresta amazônica. A produção de seus apreciados frutos está relacionada a uma complexa teia ecológica em que a espécie depende da cobertura florestal ao seu redor para a ocorrência de polinização, fator este que a inviabiliza em plantio homogêneo convencional. Ou seja, todas as castanhas que comemos são produtos da floresta, frutos destas árvores centenárias. Consumir castanha não é apenas saudável, mas uma forma positiva manter a floresta em pé valorizando seus produtos!

Devido sua abundância por quase toda a região amazônica, hoje a castanha pode ser considerada como o principal produto extrativista florestal não-madeireiro da região Amazônica, e tem ocupado lugar central nos modelos de uso do solo alternativos aos usos que promovem o desmatamento, como a monocultura intensiva de soja e a criação extensiva de gado bovino.

Apesar desta valorização atual do produto as comunidades coletoras vivem geralmente em regiões isoladas e continuam a ser exploradas por atravessadores da mesma maneira que acontecia no tempo do patrão da empresa seringalista, recebendo por seu produto um preço vil bastante inferior ao do mercado no centro consumidor. Para que uma parcela justa do valor da cadeia produtiva da castanha chegue aos produtores são muitos os desafios a serem enfrentados.

Na prática: A cadeia da castanha na RESEX Lago do Cuniã

Na região do Baixo-Madeira a coleta da castanha é uma atividade tradicional que iniciou nos princípios do século XX, integrada ao ciclo da Borracha.

Na RESEX Lago do Cuniã e entorno existem mais de 40 castanhais, com capacidade produtiva estimada em mais de 120 toneladas. Atualmente os castanhais mais distantes das moradias encontram-se abandonados devido à desvalorização do produto que aconteceu nas últimas décadas.

O trabalho da coleta da castanha envolve mais de 20 famílias, que até a poucos anos comercializavam seu produto para os dois únicos atravessadores locais por preços bem abaixo do valor de mercado em Porto Velho.

Nosso trabalho ao longo dos anos

O NAPRA começou o trabalho de fortalecimento da cadeia de valor da castanha em São Carlos do Jamary e RESEX Lago do Cuniã em 2005. A partir da demanda dos extrativistas, a equipe NAPRA começou um diálogo sobre as possibilidades de melhoria na produção e preço do produto. Assim, foi sendo desenhado um trabalho gradual de empoderamento dos extrativistas, através da construção do entendimento destes sobre a cadeia de valor da castanha como um todo, e sobre a necessidade de parcerias e de união comunitária para atingir melhores condições de produção e venda. Assim, em 2008 surgiu um embrião de uma organização coletiva para a produção e comercialização do produto, a qual se apelidou de “Grupo da Castanha”, que em 2010 se formalizou como associação independente – a Associação Arte e Castanha de São Carlos do Jamary e Cuniã.

A partir de 2006 foram trabalhadas diversas capacitações em boas práticas de produção e realizados intercâmbios com outras comunidades em estágios mais avançados de desenvolvimento da cadeia produtiva (COVEMA em Manicoré, 2007; Associação do Povo Indígena Zoró em Jiparaná, 2013).

Em 2012, assessorada pelo NAPRA, a Associação acessou recurso para a construção de um galpão de armazenamento da castanha através de um edital da CESE (Coordenação Ecumênica de Serviço).

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No ano de 2013, o único fator que preveniu a formação de um estoque substancial para a comercialização coletiva na entressafra foi a falta de capital de giro. Ainda assim, duas famílias conseguiram formar um estoque de 2 toneladas que pôde ser comercializado na entressafra pela associação por um preço de R$28,00/lata, substancialmente maior que o oferecido pelos atravessadores durante a safra (R$11,00/lata).

No ano de 2014, com um pequeno capital de giro emprestado por pessoas apoiadoras foi possível com a participação de mais de 10 famílias formar um estoque coletivo de mais de 2 toneladas. Neste ano cada família recebeu da associação no momento da entrega de sua produção o mesmo valor oferecido pelos atravessadores – R$20,00/lata. Após a comercialização pela associação foi paga uma diferença adicional de R$10,00/lata, o que compôs um preço local inédito de R$30,00/lata na mão do extrativista.

Em 2015, para expandir os benefícios da prática de formação de estoque e comercialização coletiva e abranger a maior parte da produção local de castanhas, os castanheiros da RESEX do Lago do Cuniã, assessorados pelo NAPRA, lograram acessar recurso através do programa PAA CPR estoque, da CONAB. Este programa disponibiliza recursos para utilização como capital de giro para viabilizar a formação de estoque de organizações de agricultores familiares e extrativistas para comercialização posterior em períodos economicamente mais favoráveis.

Tendo em vista as técnicas de armazenamento e a gestão administrativa do empreendimento coletivo foi realizado em Jiparaná um intercâmbio para capacitação para operacionalidade de formação e comercialização de estoque entre a Associação Arte e Castanha e a Associação do Povo Indígena Zoró (APIZ), que desde 2006 vem acessando o PAA CPR estoque, armazenando e realizando com sucesso a comercialização da produção da castanha local por um preço justo

Desta forma pudemos formar um estoque de quase 20 toneladas e envolver mais de 20 famílias no processo que obtiveram um preço 100% maior por sua produção.

Esta mudança de situação teve como efeito secundário a reativação por grupos de famílias de 3 dos castanhais mais distantes. Também está sendo discutida a possibilidade de um grupo de jovens começar a explorar o castanhal Terra Firme – um dos maiores castanhais da Resex, mas bastante distante das comunidades. Desta forma as famílias não apenas melhoraram sua qualidade de vida através do aumento da geração de renda, mas a comunidade do Cuniã adquiriu maior controle sobre seu território voltando a frequentar regiões distantes e estão surgindo para os jovens, categoria que nos últimos anos apresentou uma grande taxa de êxodo para cidade, oportunidades para permanecer na Reserva.

No último ciclo, em 2016, através de uma parceria com o Instituto Socioambiental, foi possível dar mais um passo na cadeia de agregação de valor local da castanha: foi implantada na própria RESEX uma pequena unidade de beneficiamento que iniciará atividade após a próxima safra.

No momento os castanheiros, com o apoio do Napra, estão se organizando para regularizar a associação Arte-Castanha, tanto para melhor gestão da produção e estocagem da castanha, bem como garantir o capital de giro para a próxima safra da castanha

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